GEP-inPsi apresentou a temática na 9ª Conferência Internacional de Psicologia Comunitária, na Itália
Entre os dias 21 e 24 de setembro aconteceu a 9º ICCP (Conferência Internacional de Psicologia Comunitária), na cidade de Napoli, na Itália, com o tema Community Regeneration: Bonds and bridges among people and environments. O GEP-inPsi esteve presente com a apresentação oral do mestrado de Laura Lorenzetti: “A Autolesão não suicida em idade escolar: psicologia escolar e comunitária”.
A conferência contou com mais de 600 participantes, de 34 países. Focados na diversidade da produção do conhecimento participaram psicólogos, estudantes, ativistas, povos indígenas e profissionais de outras disciplinas. Os objetivos das apresentações, simpósios, pôsteres, mesas redondas e workshops foram a descolonização da Psicologia hegemônica, a compreensão crítica das necessidades dos povos oprimidos e a transformação social da pobreza, desigualdade, violência e opressão, por via do fortalecimento de ações contextualizadas e a serviço das populações.
Temática é abordada a partir de dissertação de mestrado: 'A Autolesão não Suicida: uma agressão que conforta?'
O trabalho intitulado “A Autolesão Não Suicida em idade escolar: uma agressão que conforta?”, é fruto da inserção de uma profissional de Psicologia do Projeto ECOAR em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental de Campinas, SP. Como um fenômeno crescente no cotidiano das escolas nas quais o projeto está inserido, fez-se necessário compreender esse tipo de autolesão a partir da perspectiva dos estudantes. Buscou-se fugir de visões patologizantes que focam na utilização de remédios psiquiátricos e abordam esse processo como uma doença mental.
A pesquisa entendeu que tal fenômeno ainda é visto com muito preconceito e subestima pela comunidade escolar. Acessando a perspectiva do sujeito (Psicologia Crítica Alemã, de Klaus Holzkamp) foi possível construir o conhecimento junto com a comunidade escolar, colocando as estudantes que se autolesionam também como criadoras desse saber que objetiva ser difundido dentro e fora da escola.
O fenômeno da Autolesão não Suicida e a perspectiva do GEP-inPsi
Historicamente, esse tema é abordado desde a metade do século XX pela comunidade psiquiátrica, sendo chamado de Automutilação e compreendendo surtos psicóticos que resultavam em graves formas de mutilação, como auto enucleação dos olhos e castração. Ele nasce intimamente relacionado a problemas psiquiátricos graves, aparecendo como uma disfunção biológica oriunda dessas psicopatologias.
Em 1938, o psiquiatra Karl Menninger em seu livro “Man Against Himself” começa a trazer a ideia de que a Automutilação pode ser uma ação tranquilizadora, objetivando a evitação do suicídio. Com o passar do tempo, fica mais evidente que esse fenômeno tem raízes histórico-culturais e se concretiza como uma alternativa disfuncional frente ao sofrimento da vida cotidiana e à impossibilidade de expressão e reflexão sobre as dores do dia a dia.
O GEP-InPsi se compromete com a descolonização dessa nomenclatura conceituando o fenômeno como ALNS (Autolesão não Suicida), objetivando se desvincular de sua herança psiquiátrica e deixando claro que ela não busca o suicídio. Além de ser uma alternativa de expressão do sofrimento, relatos também mostram que as lesões podem aparecer como uma forma de punição frente à culpa de sentimentos de despertencimento e inadequação diante das necessidades impostas pela sociedade, por exemplo.
Não é possível compreender o fenômeno sem buscar uma perspectiva histórico-cultural. As formas de ser e estar no mundo, impostas por uma sociedade neoliberal, podem desencadear esses episódios. Corpos e existências que estão acostumados a ser violentados e desrespeitados pelo sistema costumam acreditar que é comum e natural violar-se e violentar-se. Essa ação agressiva voltada a si mesmo precisa ser problematizada e discutida em espaços coletivos de reflexão. Assim é possível canalizá-la em possibilidades reais de fortalecimento e enfrentamento de um sistema que cresce em cima da violação da humanidade e dos direitos humanos.
Doutorado e cartilha: 'Vamos conversar sobre Autolesão Não Suicida?'
A partir da perspectiva comunitária, o conhecimento obtido com a pesquisa de mestrado foi sintetizado em uma cartilha para professores, famílias e estudantes. Intitulada “Vamos conversar sobre a Autolesão Não Suicida?”, ela tem como objetivo democratizar o conhecimento e permitir que se abra um espaço para falar sobre a ALNS, para que a comunidade possa conhecer o tema e criar mecanismos de prevenção e enfrentamento.
A cartilha traz informações sobre o que é ALNS, estatísticas do fenômeno, a nomenclatura adequada para conceituá-lo, fatores de risco e proteção para a sua incidência, questionamentos para a descolonização do fenômeno e o entendimento da importância de um espaço seguro de acolhimento e discussão. Também traz propostas de ações individuais e coletivas para a sua prevenção e propõe perguntas para quem se autolesiona e para familiares e professores que querem auxiliar algum estudante que se engaja no comportamento.
Sua estética foi pensada para que lembre um caderno ou um diário, com espaços em branco que possibilitam a escrita para responder as perguntas que são feitas no fim de cada capítulo. Também é possível anotar informações relevantes e possíveis dúvidas a partir de discussões sobre o conteúdo.
A investigação sobre esse tema no GEP-inPsi perdurou no desenvolvimento da tese de doutorado de Laura Lorenzetti intitulada “As cicatrizes cotidianas refletidas nos corpos: questões para a Psicologia na escola”. Nela, há a continuação do grupo de estudantes para discussão do tema, buscando compreender melhor os desdobramentos das ações, ouvir a perspectiva do sujeito sobre o fortalecimento coletivo e possibilitar mais espaços de discussão e prevenção. Prova-se, desse modo, que a perspectiva do sujeito acessada em espaços coletivos funciona de forma preventiva, não só para a ALNS, mas para outros fenômenos psicossociais que possam trazer risco para o desenvolvimento dos estudantes.